MURAT, Laure (2012) O homem que se achava
Napoleão: por uma história política da loucura. São Paulo: Três Estrelas.

Élisabeth Roudinesco escreve em Le
Monde des Livres: “Todos os médicos
da alma se perguntaram se os distúrbios políticos tinham um papel na eclosão do
delírio e na aparição da loucura. Em ensaio muito bem documentado e apoiado em
arquivos inéditos, Laure Murat revisita essa problemática de maneira
resolutamente nova.”
Murat vai mais longe. A historiadora faz um minucioso levantamento de
fatos e registros, debruçando-se sobre arquivos e documentos inéditos que
marcaram a França de 1789 a 1871, guardados nos hospitais Bicêtre, Salpêtrière,
Sainte-Anne e Charenton, para examinar as relações entre Política e Loucura –
um mergulho profundo que expõe as consequências dos eventos revolucionários na
vida psíquica dos cidadãos.
O homem que se achava Napoleão pode ser considerado complemento/continuidade de
ideias exploradas por Michel Foucault, principalmente ao conceito de
Biopoder/Biopolítica, qual seja, a prática dos estados modernos na regulação
dos que a eles estão assujeitados, por meio da subjugação dos corpos e da
subjetividade como controle da população, tida como meio produtivo.
Logo na Apresentação, escreve Jurandir Freire Costa: “O espectro de Michel Foucault surge desde as
primeiras linhas”.
Um pouco da riqueza da obra traz fatos extremamente curiosos, instigantes
e investigativos.
Em 21 de janeiro de 1793, o rei Luís XVI é guilhotinado. Entre março
daquele ano e agosto de 1794, cerca de 17 mil pessoas serão executadas na
França. Por vários anos no país, a guilhotina se torna um delírio comum entre
os alienados. Ironicamente, à execução de Luís XVI, encontrava-se presente Philippe
Pinel, que no futuro seria o principal responsável por tirar os “tolos” das
prisões.
Eram frequentes casos como o de um homem internado no Charenton, em
1802, que afirmava ter sido decapitado e estar portando outra cabeça, já que a
sua havia sido levada para a Inglaterra.
Em 1840, quando os restos de Napoleão são transportados à França,
catorze pessoas que acreditam ser o imperador dão entrada no Bicêtre. Uma onda
de delírios de grandeza, de “monomania orgulhosa” – denominação da medicina da
época -, espalha Napoleões pelos asilos do país.
O homem que se achava Napoleão é também uma investigação sobre os primórdios da
Psiquiatria, por meio de seus expoentes, como o já citado Philippe Pinel e
Jean-Étienne Esquirol, e sobre os vínculos estabelecidos entre Medicina e
Ideologia, para estigmatizar os insurretos da Comuna de Paris, em 1871, e
outros adversários do Estado.
Em 1845, em confissão quase profética, escreveu o Dr. Moreau de Tours: “Se os doentes às vezes falaram, não se
registrou suficientemente o que eles disseram”.
No outono de 1885, Sigmund Freud chega a Paris e no Salpêtrière
acompanha de perto as experiências de Jean Martin Charcot. Intrigado e
estimulado pelas ideias do “Grande Homem”, Freud passa a “dar ouvidos” às
histéricas da época. Em 1900, com a publicação de “A Interpretação dos Sonhos”,
nasce a Psicanálise, que iria trazer até os dias atuais, uma profunda
modificação na compreensão da Loucura.
Como sugestão de auxílio na resposta à questão de Murat, a Função da
Crença e a exploração da Lógica do Delírio, ideias originais de Fabio Herrmann,
que apresentam a biface Identidade/Realidade ou Homem/Mundo como o produto do
Real Humano – o Absurdo, esta estranha casa/mundo que construímos -, possam dar
início à discussão. Toda estrutura delirante revela uma parte do mundo em que
foi gerada – um umbigo “corajosamente” exposto.
Muito interessante a maneira com que Murat, ludicamente, joga com certas
expressões e palavras, como por exemplo, “perder
a cabeça” (guilhotina/loucura) – belos exemplos de interpretantes
psicanalíticos.
Fica, portanto, a indicação e recomendação da leitura de O homem que se achava Napoleão – obra
importante para a História, a Psiquiatria e a Pré-História das ideias
psicanalíticas.
LAURE MURAT é historiadora francesa. Doutorou-se na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, em 2006, e
é professora do Departamento de Estudos Franceses e Francófonos da Universidade
da Califórnia, Los Angeles (UCLA). Ganhadora do Prêmio Goncourt de Biografia e
o Prêmio da Crítica da Academia Francesa, em 2001. Em 2011, recebeu o Prêmio
Femina de Ensaio, por O homem que se
achava Napoleão – seu primeiro livro publicado no Brasil.
O CORPO EDITORIAL da REVISTA VÓRTICE DE PSICANÁLISE agradece a gentileza da EDITORA TRÊS ESTRELAS (selo editorial do Grupo Folha/Publifolha), na figura da Assessora de Imprensa CECÍLIA DO VAL, pelo exemplar cedido, bem como pelo excelente material de divulgação.