NOTÓRIOS DA PSICANÁLISE: WILLIAM SHAKESPEARE
WILLIAM SHAKESPEARE é considerado um dos mais importantes dramaturgos e escritores de todos
os tempos. Seus textos literários são verdadeiras obras de arte e permaneceram
vivas até os dias de hoje, onde são retratadas frequentemente pelo teatro,
televisão, cinema e literatura.
Nasceu em 23 de abril de 1564, na pequena cidade inglesa de Stratford-upon-Avon.
Filho de John Shakespeare, um bem-sucedido luveiro e subprefeito de Stratford,
vindo de Snitterfild, e Mary Arden, filha afluente de um rico proprietário de
terras, Shakespeare foi o terceiro filho de uma prole de oito. Nesta região
começa seus estudos e já demonstra grande interesse pela literatura e pela
escrita. Teve uma vida sem maiores problemas financeiros até os 12 anos, quando
o seu pai faliu. A partir daí, Shakespeare começou a trabalhar para ajudar no
sustento da família. Mesmo assim, não deixou de ler autores clássicos, novelas,
contos e crônicas, que foram fundamentais na sua formação de poeta e
dramaturgo.
Com 18 anos de idade casou-se com Anne Hathaway e, com ela, teve três
filhos, Susanna e os gêmeos Judith e Hamnet, que morreu aos 11 anos de idade.
No ano de 1591 foi morar na cidade de Londres, em busca de oportunidades
na área cultural. Começa escrever sua primeira peça, “Comédia dos Erros”, no
ano de 1590 e termina quatro anos depois.
Embora seus sonetos sejam até hoje considerados os mais lindos de todos
os tempos, foi na dramaturgia que ganhou destaque. Em 1592, com menos de 30
anos, Shakespeare já tinha o seu talento reconhecido no teatro, tendo redigido
pelo menos duas peças: “A Comédia dos Erros” e “A Megera Domada”. O seu
prestígio aumentou ainda mais em 1594, quando começou a trabalhar para a
companhia de teatro The Lord Chamberlain's Men, que possuía um excelente teatro
em Londres. Neste período, o contexto histórico favorecia o desenvolvimento
cultural e artístico, pois a Inglaterra vivia os tempos de ouro sob o reinado
da rainha Elisabeth I. O teatro deste período, conhecido como teatro
elisabetano, foi de grande importância. Escreveu tragédias, dramas históricos e
comédias que marcam até os dias de hoje o cenário teatral.
A arte dramática do poeta pode ser dividida em três partes. Na primeira,
compreendida entre os anos de 1590 e 1602, Shakespeare escreveu comédias
alegres, dramas históricos e tragédias no estilo renascentista. A segunda fase,
que vai até 1610, é caracterizada por tragédias grandiosas e comédias amargas,
o autor está no seu auge produtivo. A última parte, que vai até a sua morte, é
marcada basicamente pelo lançamento de peças que têm o final conciliatório. Sua
primeira peça, “Tito Andrônico”, escrita provavelmente em 1590, já revelava
alguns dos elementos shakespearianos: o texto era uma tragédia repleta de
assassinatos e violações.
Os textos de Shakespeare fizeram e ainda fazem sucesso, pois tratam de
temas próprios dos seres humanos, independente do tempo histórico. Amor,
relacionamentos afetivos, sentimentos, questões sociais, temas políticos e
outros assuntos, relacionados à condição humana, são constantes nas obras deste
escritor. Toda a sua obra, escrita em 20 anos, está presente em palcos e telas
de todo o mundo. Quase quatro séculos após a sua morte, William Shakespeare é
um dos dramaturgos mais encenados no planeta. O autor inglês escreveu cerca de
40 peças, entre tragédias (Otelo, Romeu e Julieta, Rei Lear); dramas históricos
(Henrique V, Ricardo III); e comédias (Muito Barulho por Nada, Sonhos de uma
Noite de Verão). Shakespeare escreveu também poemas e mais de 150 sonetos que
expressam frustração, agitação, masoquismo e homossexualidade.
Antes de Shakespeare, nenhum outro dramaturgo ou poeta havia mostrado a
natureza humana em toda a sua complexidade: a paixão de Romeu e Julieta, a sua
obra mais conhecida, o ciúme cego de Otelo, a ambição de MacBeth. Shakespeare
também deve ser um dos escritores mais citados no mundo. Mesmo quem nunca leu
Hamlet certamente conhece a famosa frase: “Ser
ou não ser, eis a questão”.
Frequentemente, alguns poucos estudiosos atribuem a Francis Bacon
(1561/1626) e a Christopher Marlowe (1564/1593) parte de sua obra. No entanto, os
pesquisadores que desconfiam da produção do dramaturgo não conseguiram provar
as suas teorias e a densa obra de Skakespeare sobrevive pela excelente
qualidade poética. Suas peças aliam uma visão poética e refinada a um forte
caráter popular. Nelas, os crimes, os incestos, as violações e as traições são
ingredientes para o divertimento do público.
Em 1610 retornou para Stratford, sua cidade natal, local onde escreveu
sua última peça, “A Tempestade”, terminada somente em 1613. Em 23 de abril de
1616 faleceu o maior dramaturgo de todos os tempos.
Shakespeare foi um poeta e dramaturgo respeitado em sua própria época,
mas sua reputação só viria a atingir o nível em que se encontra hoje no século
XIX. Os românticos, especialmente, aclamaram a genialidade de Shakespeare, e os
vitorianos idolatraram-no como um herói, com uma reverência que George Bernard
Shaw chamava de “bardolatria”. No século XX sua obra foi adotada e redescoberta
repetidamente por novos movimentos, tanto na academia e quanto na performance.
Suas peças permanecem extremamente populares hoje em dia e são estudadas,
encenadas e reinterpretadas constantemente, em diversos contextos culturais e
políticos, por todo o mundo.
As peças shakespearianas são peculiares, complexas, misteriosas e com um
fundo psicológico espantoso. Uma das qualidades do trabalho de Shakespeare foi
justamente sua capacidade de individualizar todos seus personagens, fazendo com
que cada um se tornasse facilmente identificado. Shakespeare também era
excêntrico e se adaptava a gêneros diferentes. Trabalhando com o sombrio e com
o divertido ou cômico, Shakespeare conseguiu chegar perto da unanimidade.
Diversos filósofos e psicanalistas estudaram as obras de Shakespeare e a
maioria encontrou uma riqueza psicológica e existencial. Entre eles, Arthur
Schopenhauer, Freud e Goethe são os que mais se destacam. No Brasil, Machado de
Assis foi muito influenciado pelo dramaturgo. Diversas fontes alegam que
Bentinho, de Dom Casmurro, seja a versão tropical de Otelo. A revolta dos
canjicas, em O Alienista, é provavelmente uma outra versão da revolta
fracassada do Jack Cage, descrita em Henrique IV. Na introdução de A Cartomante,
Assis utiliza a frase “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe vossa
vã filosofia”, frase que pode ser encontrada em Hamlet.
SHAKESPEARE E A PSICANÁLISE
Desde o início do século XX, os psicanalistas vêm estudando as obras de
Shakespeare, a fim de aprofundar sua compreensão do conflito psíquico e suas
competências interpretativas. Os pesquisadores em literatura voltaram-se para a
psicanálise na esperança de resolverem os problemas que vinham encontrando
desde há muito tempo no estudo dos textos de Shakespeare.
Numa carta a seu amigo Wilhelm Fliess (15/out/1897), Sigmund Freud fala
pela primeira vez do que ele chamará mais tarde de o complexo de Édipo; depois,
muito rapidamente, passa a mostrar como essa noção pode ser utilizada para
explicar certos pontos obscuros no “Hamlet”. Freud fazia a ligação, graças à
estrutura triangular do complexo de Édipo, entre as hesitações de Hamlet para
vingar seu pai, seus debates de consciência, sua hostilidade em relação à
Ofélia, a repugnância sexual que lhe causava Gertrude e sua destruição final. “Existem mais coisas entre a terra e o céu,
Horácio, do que pode imaginar toda a tua filosofia”: para Ernest Jones, era
essa a citação preferida de Freud, entre todas as suas fontes literárias, e a
que expunha, segundo o “Hamlet”, a dificuldade de ser.
A natureza do apego de Freud aos textos de Shakespeare encontra-se
igualmente nessa cadência especial do texto de seus sonhos, a qual remete para
a cadência do discurso de Brutus quando tenta justificar-se no “Júlio César”: “Por ter-me amado César, pranteio-o; por ter
sido ele feliz, alegro-me; por ter sido valente, honro-o; mas por ter sido
ambicioso, matei-o”. Freud expôs com clareza o conflito inconsciente que
tinha fraturado a psique de Lady MacBeth entre sua feminilidade e sua ambição
masculina, assim como a técnica de Shakespeare para cindir uma personagem em
duas: “Ela torna-se o remorso após o ato,
ele (MacBeth) torna-se o desafio”.
Na crítica shakespeariana, após os conhecidos trabalhos de Jekels,
Jones, Reik, Sachs e Wangh, entre outros, deparamo-nos com uma proliferação de ensaios
que aplicam diversos aspectos da teoria psicanalítica aos textos de
Shakespeare: a teoria do sonho, o modelo estrutural, as fantasias incestuosas,
as fantasias de cena primitiva e as funções simbolizantes e criativas da
própria psique. “Sobre a tendência universal à depreciação da esfera do amor”,
de 1912, permitiu discutir os obstáculos ao amor que são regularmente
explorados na comédia. “Luto e melancolia”, de 1916/17, incitou à reflexão
sobre a ambivalência em relação ao objeto perdido e à depressão grave na
tragédia, ou mesmo numa comédia como “Noite de Reis”. “À guisa de introdução ao
narcisismo”, de 1914, e a reflexão que se lhe seguiu sobre a estrutura da
psique e suas raízes no desenvolvimento infantil influenciaram numerosas
interpretações recentes de Shakespeare. “A Negativa”, de 1925, permitiu aos
shakespearianos entenderem como a psique se encontra por vezes num impasse
quando negocia as suas próprias contradições internas.
Depois de Freud, o “estádio do espelho” de Jacques Lacan, o “objeto
transicional” em Donald Winnicott, a “separação/individuação” em Margareth
Mahler e a “confiança fundamental” em Erik Erikson desencadearam novas análises
das peças de Shakespeare. De todos os textos clássicos dessa crítica
psicanalítica, o mais sutil continua sendo o de Ernst Kris, de 1952, o modelo
do gênero pelo modo como ele integra em elementos da língua, dos personagens e
da intriga os elementos correspondentes da estrutura psíquica. Kris, ao
examinar as fontes de uma peça e os diálogos, reconhece o gênio excepcional de
Shakespeare e sua notável capacidade para observar os fenômenos sob os ângulos
histórico e psicológico.
Mais recentemente, registra-se a influência da psicanálise como em Murray
Schwartz, em 1980, que considera ser Shakespeare um dramaturgo “cujas peças e cujos poemas não se contentam
em ilustrar sua identidade, mas são, em cada caso, a expressão dinâmica da luta
pela recriação e a exploração das origens”. No mesmo espírito, Janet
Adelman, em 1992, analisou a identidade masculina e as fantasias do poder
materno e do corpo materno na obra de Shakespeare.
A crítica psicanalítica de Shakespeare dominou a aplicação da teoria
psicanalítica ao domínio das letras e permitiu articular certo número de
debates sobre a psicanálise aplicada. Há os eu são da opinião de que os textos
de Shakespeare devem ser analisados com respeito ao gênero, às suas qualidades
formais, estéticas, e à sua arte, sem que seja necessário inventar tal ou tal
neurose infantil ou efeito do Inconsciente numa personagem, nem fazer a análise
selvagem do autor; não se deve ir além do texto. Outros pensam, pelo contrário,
que a escrita é um produto da psique humana, cuja criatividade se nutre
constantemente do Inconsciente e dos seus desejos. As interpretações
psicanalíticas mais fecundas do dramaturgo britânico situam-se, de fato, entre
as duas posições, cada vez que fazem do texto prova e árbitro, sem perder de
vista uma característica shakespeariana: a ilusão de que o palco é o lugar de
expressão de um indivíduo que possui uma vida interior cujos poderes e ações podem
escapar-lhe.
A linha da relação entre Shakespeare e a Psicanálise
segue as diretrizes do verbete redigido por Margarett Ann Fitzpatrick Hanly,
para o DICIONÁRIO INTERNACIONAL DA PSICANÁLISE.
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