Jean Martin Charcot, médico dos hospitais de Paris, professor de clínica de doenças
nervosas, membro da Academia de Medicina, nasceu em Paris em 1825 e faleceu
perto do lago de Settons (Nièvre) a 16 de agosto de 1893. Juntamente com
Guillaume Duchenne, é considerado o fundador da moderna neurologia.
Filho de um fabricante de carroças, o Prof. Charcot alcançou, no final
de sua vida, uma glória e uma influência científica que não lhe sobreviveram.
Sua carreira é espetacular: nomeado médico dos hospitais de Paris em 1856, agrégé de medicina em 1860, médico-chefe
de serviço no hospital da Salpêtrière em 1862, professor de anatomia patológica
na faculdade de medicina de Paris em 1872, onde sucedeu a Alfred Vulpian, professor
de clínica de doenças do sistema nervoso em 1882, numa cátedra criada para ele
a pedido de Léon Gambetta.
Membro da Academia de Medicina em 1873, da Academia de Ciências em 1883,
Charcot alcança o fastígio das honras universitárias, mas a exatidão de suas
teorias sobre a histeria, com a qual se preocupava desde 1865, depois que o
“setor dos epilépticos” foi anexado ao seu serviço, começava a ser posto
seriamente em dúvida quando ele morreu de uma crise cardíaca em 16 de agosto de
1893. Seu aluno, o neurologista Joseph Babinski, a rápida expansão da
psicologia dinâmica de Pierre Janet e, sobretudo, o êxito da psicanálise,
acabaram por fazer mergulhar no esquecimento um edifício teórico que seus
efeitos mobilizadores colocam, entretanto, na origem dos desenvolvimentos que o
século XX conheceu nesses domínios.
Charcot ia das qualidades de observador rigoroso que estão na origem de
descrições neurológicas e de classificações nosográficas ainda em vigor
(esclerose lateral amiotrófica, artéria de Charcot, etc.) até um talento um
pouco mágico de apresentador. Charcot introduziu grandes modificações no estudo
das patologias de fundo nervoso. Foi o primeiro a descrever os sintomas da
histeria, que procurou curar por meio da hipnose. No que se refere às doenças do
cérebro, Charcot estudou as afasias e descobriu os aneurismas cerebrais.
Charcot também estabeleceu a diferenciação das lesões causadoras da ataxia
locomotora – e estudou as atrofias musculares e seu relacionamento com o
sistema nervoso, descrevendo a afecção nervosa que ficou conhecida como “doença de Charcot”. Foi o primeiro
neurologista a criar um serviço de documentação fotográfica dos pacientes com
enfermidades neurológicas, em particular com distúrbios de movimento. Com suas
“lições clínicas” públicas das terças-feiras e as suas “grandes lições” das
sextas, ele atraía as mais diversas personalidades para apresentações de
doentes a cujo respeito se percebeu, após a morte do mestre, que estavam mais
ou menos preparados para mostrar ao público as “crises de histeria” típicas que
Charcot esperava deles. Com efeito, ele interessava-se particularmente pelas
paralisias, anestesias e outros sintomas considerados “histéricos” e procurava
demonstrar sua origem “funcional” e não anatômica, ao invés do que sustentavam
numerosos autores partidários da ablação cirúrgica dos ovários de suas
pacientes.
Ele tinha assim isolado uma entidade clínica a que dera o nome de
“grande histeria” ou “histeroepilepsia”. Descrevia uma crise, ou “ataque” do
mal em quatro sucessivas fases características: fase epileptiforme, movimentos
ilógicos, atitudes passionais e delírio terminal. Fora desses ataques, os
doentes apresentavam “estigmas” (retração do campo visual, anestesia, etc.) e
um tal conjunto só podia existir se houvesse uma “diátese”, ou seja, um terreno
favorável de degenerescência hereditária.
A fim de demonstrar suas ideias, Charcot multiplicava as apresentações
de casos onde tais sintomas se manifestavam igualmente nos homens, e utilizava
a sugestão sob hipnose para fazê-los aparecer ou desaparecer, o que provava que
eles não estavam ligados, em absoluto, a lesões orgânicas, ao contrário dos
transtornos neurológicos verdadeiros. Estava a um passo de uma concepção
“psicológica” da origem dos sintomas histéricos, mas ele sublinhara bem em
1887: “Aquilo a que chamo psicologia é a
fisiologia racional do córtex cerebral”. A criação em 1890, no seu serviço,
de um laboratório de psicologia, cuja direção confiará a Pierre Janet, terá
essa orientação, assim como os encorajamentos que prodigalizou à tese de
doutorado em medicina de Janet sobre “O
estado mental dos histéricos” (1893) e às primeiras publicações de Sigmund
Freud nas revistas francesas.
Freud efetuou no serviço de Charcot no hospital da Salpêtrière uma
estada de importância capital para a continuação de sua obra e o nascimento da
psicanálise. Tendo chegado a Paris em 13 de outubro de 1885, graças à obtenção
de uma bolsa de estudo da faculdade de medicina de Viena, a fim de estudar
anatomopatologia, ele vai encontrar aí a revelação da histeria e de sua
etiologia “psicológica”, elemento determinante para o seu estabelecimento de
uma clientela privada, o que ocorrerá com o seu regresso a Viena na Páscoa de
1886.
Um mês após sua chegada a 24 de novembro de 1885, Freud escreve à sua
noiva: “Charcot, que é um dos maiores
médicos e cuja razão confina com o gênio, está muito simplesmente prestes a
demolir as minhas concepções e os meus projetos. Acontece-me sair de seus
cursos como se saísse da Notre-Dame, repleto de novas ideias sobre a perfeição.
A semente produzirá seu fruto? Ignoro; mas o que sei é que nenhum outro homem
exerceu jamais tanta influência sobre mim”.
Antes de sua saída de Paris, no final de fevereiro de 1886, Freud obterá
o acordo de Charcot para traduzir para o alemão as suas “Leçons cliniques”, e se despedirá dele guardando na memória algumas
expressões a que saberá dar o melhor uso, como “a teoria é uma boa coisa, mas isso não impede de se existir”, “a bela indiferença dos histéricos” ou
ainda “a recusa do sexual é gigantesca,
como uma casa”.
Uma correspondência deu continuidade ao seu relacionamento, mesmo que os
comentários pessoais que Freud acrescentou às “Poliklinische Vorträge” (1892-1894), sua tradução das “Leçons du mardi”, lhe tenham valido
alguns comentários agridoces. Se Charcot pouco se interessou pelo método
catártico de que Freud lhe tinha falado, este o deixou levando consigo o
projeto de um artigo sobre as paralisias histéricas que só levará a termo sete
anos mais tarde mas que, publicado em francês nos “Archives de neurologie” (1893), testemunha a primeira abordagem
“psicanalítica” desse fenômeno. Freud deu ao seu primeiro filho, nascido em 6
de dezembro de 1889, o prenome de Jean Martin, e conservou a vida inteira em
seu gabinete uma reprodução do quadro de André Brouillet, “Uma lição clínica na Salpêtrière”.
Na morte de Charcot, rendeu-lhe uma homenagem que, na verdade, marcava in fine o seu afastamento de teses
excessivamente constitucionais, mas reconheceu: “Não era alguém que reflete e que pondera, não era um pensador mas uma
natureza artisticamente dotada, segundo os seus próprios termos, um visual, um
vidente” (1893). Em fevereiro de 1924, solicitado pela revista “Le Disque vert”, ele escreverá: “Dos numerosos ensinamentos que me
prodigalizou em seu tempo (1885-1888) Mestre Charcot, na Salpêtrière, houve
dois que me deixaram uma impressão muito profunda – que nunca nos devemos
cansar de considerar de novo os mesmos fenômenos (ou de nos submetermos aos
seus efeitos), e que não devemos nos preocupar com a contradição mais geral
quando se trabalha de um modo sincero”.
Charcot é tão famoso quanto seus alunos: Sigmund Freud, Joseph Babinski,
Pierre Janet, Albert Londe e Alfred Binet. A Síndrome de Tourette, por exemplo,
foi batizada por Charcot em homenagem a um de seus alunos, Georges Gilles de la
Tourette, assim como o Mal de Parkinson foi nomeado por este médico como
homenagem a James Parkinson. Deixou seus ensinamentos nos nove volumes de suas
“Oeuvres completes”.