VERBETE: DEFESA
Sigmund Freud designa por esse
termo o conjunto das manifestações de proteção do eu contra as agressões
internas (de ordem pulsional) e externas, suscetíveis de constituir fontes de
excitação e, por conseguinte, de serem fatores de desprazer.
As diversas formas de defesa em
condições de especificar afecções neuróticas costumam ser agrupadas na
expressão “mecanismo de defesa”.
Em 1894, Freud publicou um artigo
intitulado “As neuropsicoses de defesa”, no qual a noção de defesa surgiu como
o eixo do funcionamento neurótico em relação aos processos de organização do
eu.
Desse momento em diante, como é
confirmado pelos Estudos sobre a histeria,
escritos em colaboração com Josef Breuer, a questão consiste em identificar as
modalidades pelas quais o eu, nessa época assemelhado à consciência ou ao
consciente, reage às diversas solicitações capazes de perturbá-lo, provocando-lhe
efeitos desprazerosos. Esses elementos parasitas podem ter uma origem externa,
existindo então a possibilidade de o eu fugir deles ou proceder a investimentos
colaterais. A questão é mais delicada, logo de saída, quando os elementos
inconciliáveis são de origem interna, pulsional e, mais exatamente, sexual.
Numa carta de 21 de maio de 1894 a Wilhelm Fliess, Freud o declara
expressamente: “É contra a sexualidade que se ergue a defesa”.
Inicialmente elaborada no contexto
da etiologia da histeria, a ideia de defesa adquiriu para Freud um papel
discriminador entre as diversas afecções neuróticas, sobretudo no artigo de
1986 intitulado “observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa”. O
mecanismo de defesa passou, desse modo, a assumir a forma de conversão na
neurose histérica, a de substituição na neurose obsessiva e, por fim, a de
projeção na paranóia. Sob esses diversos aspectos, ligados à especificidade da
entidade patológica, a defesa visa a um mesmo objetivo: separar, quando essa
operação não mais pode efetuar-se diretamente por meio da ab-reação, a
representação perturbadora do afeto que lhe esteve originalmente ligado.
Em 1915, a propósito de sua
metapsicologia, Freud voltou a usar a expressão mecanismo de defesa, por um
lado, no artigo dedicado ao inconsciente, para reunir o conjunto dos processos
defensivos (em todos os tipos de neurose), e, por outro, no artigo consagrado
aos destinos das pulsões, para evocar as diversas formas – recalque, reversão e
inversão – da evolução de uma pulsão. Em sua carta a Wilhelm Fliess de 6 de
dezembro de 1896, dedicada à instauração do aparelho psíquico, Freud já
assemelhava a defesa ao recalque: “A condição determinante de uma defesa
patológica (isto é, do recalque), portanto, é o caráter sexual do incidente e
sua ocorrência numa fase anterior”.
Em 1926, no suplemento a seu livro Inibições, sintomas e angústia, Freud
volta a essa assemelhação, evocando, em primeiro lugar, as razões pelas quais
abandonou a expressão “processo de defesa”. Em seguida, reconhece havê-lo
substituído pelo processo de recalque, sem esclarecer a natureza da relação
entre essas duas noções. Assim, propõe conservar o termo recalque para designar
alguns casos de defesa, a saber, aqueles que estão ligados a afecções
neuróticas específicas – e usa o exemplo da ligação precisa entre recalque e
histeria -, sendo “o velho conceito de defesa” utilizado para englobar os
processos de orientação idêntica, a da “proteção do eu contra as exigências
pulsionais”.
Com os trabalhos de Anna Freud, a
noção de mecanismo de defesa voltou a se tornar central na reflexão
psicanalítica e assumiu até mesmo o valor de conceito. Para a filha de Freud,
os mecanismos de defesa interviriam contra as agressões pulsionais, mas também
contra todas as fontes externas de angústia, inclusive as mais concretas. O
desenvolvimento dessa perspectiva globalizante implicou uma concepção do eu que
marcava um retrocesso em relação à que fora expressa por Freud no contexto da
grande reformulação teórica da década de 1920. O eu voltou a se tornar sinônimo
de consciente, foi assemelhado à pessoa, e o objetivo da psicanálise passou a
consistir em ajudar as defesas da pessoa para consolidar sua integridade. Essa
concepção encontrou meios de se expandir na corrente da Ego Psychology. Foi fortemente combatida, sobretudo por Jacques
Lacan, em diversos artigos dos anos de 1950-1960, onde o autor dos Escritos a denunciou como uma
transformação da psicanálise num processo adaptativo, numa forma de ortopedia
social contra a qual ele empreendeu seu “retorno a Freud”.
Para Melanie Klein, o conceito de
defesa e as formas que ele pode assumir estão inscritos na fase arcaica,
pré-edipiana, e concernem tanto aos elementos externos internalizados, ou
submetidos a tentativas de controle, quanto aos elementos pulsionais.
OBS.: Este verbete foi redigido por
Elisabeth Roudinesco e Michel Plon para o Dicionário
de Psicanálise.
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